terça-feira, 27 de setembro de 2011

Morris Britt & Agnaldo Rayol

    Acho que faz uns 15 anos.
    Atendi a uma voz delicada e bem colocada ao telefone:
      - Por favor, Maurício?
    - Pois não, sou eu mesmo.
    - Boa noite. É o Agnaldo Rayol, tudo bem?
    Confesso que julguei ser um trote. O famoso Agnaldo Rayol me ligando àquela hora e já levando a conversa pelo lado bem informal. Mas dei atenção.   
    - Mas é lógico que te conheço. Tudo bem?
    - Vou cantar num casamento amnhã e sugeriram seu nome como pianista para me acompanhar.
    Eu continuava achando que era um pegadinha, mas fiquei ouvindo
    - Indicaram você justamente porque não tenho tempo de ensaiar. Serão três músicas nos meus tons e arranjos que você com certeza conseguirá programar no seu teclado.  Caso na hora não funcione a contento por razões técnicas tipo voltagem etc, sei que as tocará tranquilamente em um piano acústico ou órgão que a igreja possui.
   - Quais músicas? - eu me adiantei.
   - Uma do Elvis, outra do Malcolm Roberts e a “Ave Maria”.
   Minha intuição dizia que era o Agnaldo Rayol mesmo. Era sério. Pensei comigo: - Elvis, tudo bem, mas Malcolm Roberts, “Ave Maria”...xiii
   Ele continuou:
   - Uma é a “Bridge” do Elvis em Dó, e “Love is All” em Ré.
   Embora acreditasse em tudo, achei no momento ser uma fria e tentei sair fora, falando sem muita animação:
   - Sabe o que é... parece que amanhã tenho também um compromisso, não sei tocar a “Ave Maria” e...
   Ele me interrompeu:
   - O cachê será de R$... (uma quantia irrecusável, bem acima dos padrões normais), depositados amanhã cedo na sua conta. E a “Ave Maria” é a de Schubert.
   - Fechado! – respondi sem pestanejar, já sonhando com o polpudo cachê – Meu compromisso pode ser adiado. É que eu estava pensando que era a “Ave Maria” de Gounod!
    A “Ave Maria” me salvou.
   - Meu empresário ligará em seguida pra você,- ele completou. -        Dará todos os detalhes sobre amanhã e pedirá o número da sua conta bancária.
    Não passaram dez minutos e o empresário me ligou, confidenciando inclusive que ele era o padrinho do noivo e seu presente seria justamente o Agnaldo Rayol cantando ao vivo na igreja, um presente caro, além de uma tremenda e, no seu modo de ver, agradável surpresa.   
    No outro dia, lá estava eu com meu teclado posicionado ao lado do altar, bem antes do horário do evento, tendo de assistir, sem outra alternativa, aos outros enlaces matrimoniais. As igrejas não costumam realizar apenas um casamento por dia. Até que uma dedicada senhora veio até mim para dizer que o Agnaldo já estava lá no estacionamento aguardando o momento de entrar cantando. Aproveitei os minutos restantes para ir fazer um xixi no toalete, ocasião em que ouvi dois camaradas, enfiados em trajes à rigor, conversando enquanto esvaziavam suas respectivas bexigas. Um deles era o noivo do casamento em questão.
    E o outro falava:
    - Sabe quem eu vi zanzando aí atrás da igreja? O cantor Agnaldo Rayol. Será que é convidado de algum casamento?
    O noivo respondeu:
    - Que nada. Ele costuma cantar em casamentos e cobra uma nota. Ainda bem que não é no meu. Eu detesto o Agnaldo como cantor!
    Meu xixi voltou pra dentro!
    Conclusão. A noiva entrou a introdução no teclado e o inesperado vozeirão do Agnaldo Rayol. Todos os presentes, surpresos e maravilhados com aquela súbita interpretação ao vivo, voltaram-se para o famoso artista que surgiu ali de repente. Noiva e noivo, os verdadeiros artistas daquele momento sublime, foram completamente ignorados.
    O Agnaldo terminou seu número exatamente quando a noiva chegou ao altar. Efusivos aplausos ecoaram pelo templo. O ritual católico foi até o seu final e o Agnaldo cantou os outros dois temas. Ninguém ali arredou pé dos seus lugares, mesmo após os nubentes terem deixado o recinto. A platéia aplaudia e pedia bis. Vislumbrei o padre de boca aberta e fomos coagidos a repetir “Bridge over Troubled Waters”.
    Ainda bem que sou solteiro!
   

2 Comentários:

Às 18 de setembro de 2015 às 06:48 , Blogger Unknown disse...

Que legal!!!! História maravilhosa. Parabéns Mauricio.

 
Às 18 de setembro de 2015 às 06:49 , Blogger Unknown disse...

é o Zezé, de Mogi guaçu. Estou me deliciando com seu blog.

 

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