Nos cinco anos que toquei com Jerry Adriani - um dos melhores cantores que já ouvi - colecionei situações demais engraçadas. Como aconteceu em Manaus. Lembro que nossa comitiva de 5 pessoas embarcou em Cumbica às 3 da madrugada e descemos no Amazonas sob os primeiros raios solares alertados para o fato de que nosso contratante era o mandão da cidade, o “bom”, o mais importante e tal. E que deveríamos tratá-lo com a maior seriedade possível justamente pela posição que o fulano ostentava. Vamos aqui chamá-lo simplesmente por F, mas tão logo fomos recepcionados na ala de desembarque do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes comprovamos que o cara era respeitável mesmo, além de muito gentil. Estava com alguns acompanhantes que logo percebi serem policiais federais à paisana. Seu porte físico, embora quase cinquentão, com um perfeito bronzeado, bem penteado e nada de barriga, chamava a atenção das pessoas conforme nos dirigíamos até os veículos que nos aguardavam. Com cargos proeminentes na política local, o F acumulava a direção de várias casas noturnas (em uma delas seria nosso show à noite) além de restaurantes, postos de gasolina, lojas e fazendas. O F era o maioral afinal.
Antes de nos dividirmos nos reluzentes carros importados, o F sugeriu de imediato um passeio pela cidade, proposta declinada pelo Jerry, pelo guitarrista e pelos nossos dois acompanhantes de SP, todos alegando cansaço, preferindo a cama do hotel. Eu gostei do convite e aceitei o passeio turístico com o F. Afinal era a minha primeira visita ao Amazonas e queria aproveitar cada minuto.
Nossa primeira parada foi justamente no local do show, onde aproveitei para montar o teclado, checar os microfones e o som. Após umas voltas pela cidade, o F disse que tencionava depois levar todos os paulistas para almoçar em um restaurante turístico situado no meio da selva amazônica, mas antes quis me apresentar sua família e seguimos para sua magnífica residência nas cercanias de Manaus. Na porta fomos recebidos por uma beldade nos seus 20 anos que a princípio julguei ser sua filha. Qual não foi meu espanto quando a apresentou como sua esposa e logo em seguida me vi em frente a duas crianças, seu filhos. O amor é lindo. Eu na época também namorava seriamente a Paula*, uma adorável universitária, 25 anos mais nova que eu.
Lá pelas duas da tarde fomos ao hotel buscar Jerry e seus dorminhocos para o almoço no famoso restaurante.
Naqueles dias o Jerry Adriani atravessava uma fase de ressurreição devido à ótima repercussão do disco “Elvis Vive”, no qual participei como pianista. Sempre sob os holofotes da mídia, com entrevistas no Jô, Faustão e grandes audiências, o Jerry costumava salientar sua recente separação conjugal. E a conversa inicial ali na mesa do restaurante amazônico (F, alguns “nativos”, e nós de SP) foi justamente essa:
- E aí, Jerry? Ficamos sabendo que se separou da mulher, o F perguntou.
- É isso aí. Infelizmente aconteceu. É difícil conviver muito tempo junto e blábláblá (O Jerry não pára quando começa a falar).
O F continuou:
- E agora,alguma namorada?
- Sabe como é... estou namorando uma zinha lá em SP. Mas a diferença de idade é o problema. Ela é muito nova e...
Eu o interrompi prevendo o atalho desagradável que a conversa tomaria. Até então eu era o único que sabia da situação conjugal do F.
- Jerry, chega de papo, olha o nosso prato chegando. Que delícia..., falei.
E o Jerry:
- Chega por que? Você adora interromper quando estou falando. Deixa eu conversar com o F, pô!
E emendou:
- Então F, fui me envolver com uma “garota” de 25 anos. Além de pagar sua faculdade tenho que ouvir aquele papo de baladas e outras babozeiras de gente mais nova que nós. Agora sou de opinião que o homem tem que conviver com uma mulher no máximo 2 anos mais nova que ele, para não chocar culturas, gostos e tudo o mais...
O F tentou descontinuar:
- Mas, Jerry. Eu ....
O Jerry não parava:
- Inclusive daqui uns vinte anos estarei chegando aos setenta e ela por sua vez ainda estará à toda. Vai ser chifre pra todo o lado e...
O F pigarreou e eu tentei mais uma vez ajeitar o clima:
- Pô, Jerry. Não é tanto assim. A idade não é tudo. Às vezes o relacionamento dá certo. Conheço muitos casais nessa situação e vivendo muito bem.
- Que nada, ô inocente! Você está na mesmo situação com a Paula. Ela é muito legal, mas você tá perto dos cinquenta como eu e ela ainda vai fazer 25!
Daí aumentou seu vozeirão barítono chamando a atenção de todos no restaurante para a sua presença. Um artista na verdade.
- Olhem aí, meu pianista. Vai fazer cinquenta e tem uma namorada de 25. É o fim da picada.
Em seguida, voltando-se para o F:
- F, você é casado?
- Sou.
- Então ensine o incauto Maurício. Qual a tua idade.
- 49
- E da sua senhora?
- 21
E o Jerry com cara de tacho:
- Bem... Nesse caso tudo bem... é que... o Maurício...pô ... bem...50... 25...
Todo fizeram um esforço tremendo para engolir as risadas.
*Embora nada relacionado com esse caso, quando depois gravei “O Boogie do Milênio”, meu primeiro CD solo, encaixei propositadamente charadas com pistas nos títulos e nos sons de algumas das faixas. Se o ouvinte prestar atenção, perceberá por exemplo que o titulo da música “Peacefully After Underaged Love Affair” (“Tranquilo após um caso amoroso de baixa idade”) tem suas iniciais formando o nome Paula.
No vídeo, com o American Graffiti ( Jacaré, Sergião, Theo, Alaor e eu).