terça-feira, 31 de janeiro de 2012

TROTES VOL. 1 - O CACHORRO

No início dos anos 70, eu e amigos costumávamos nos reunir em casa e gravar trotes ao telefone. Bina e identificador de chamadas eram ficção científica e só existia no FBI. Desta forma podíamos "aprontar" à vontade. Eu produzia o tema e escrevia o teor do trote enquanto meu amigo Sylvio Luiz ( hoje residindo nos EUA) interpretava o sr. Analgésio Figueiroa, um personagem chato de voz caricata que ele mesmo criara. Eventualmente iremos publicando as dezenas de trotes armazenados há quatro décadas.
Essa pegadinha foi gravada no telefone durante uma reunião no apartamento de um amigo. Já era mais da uma da madrugada e a vizinhança já estava embaixo das cobertas. Nosso anfitrião lembrou que na semana anterior havia um cachorro nas imediações que latiu por toda a noite. O tema foi imediatamente criado, escolhemos um enderêço de um morador qualquer por ali, acordamos o cara e... escutem só.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

♪♫ Eu não presto mas eu te amo ♪♫ ou Eu não empresto mais meu piano!


    Na segunda metade dos anos 60, a maioria da garotada usava um penteado tipo beatles. Principalmente os garotos roqueiros. E eu não fugia à regra. E o que era pior...havia um monte de meninas míopes que me achavam parecido com o Paul McCartney.
     Eu havia sido aprovado no vestibular para o curso de Odontologia e fui cursar o primeiro ano da faculdade na cidade de Piracicaba, no interior de SP. Logo no primeiro dia de aula, nem bem pisei na escola e os malvados veteranos rasparam meu cabelo na máquina zero. De “paul dos pobres” me tornei o “vin diesel depois da gripe”.
     Não é difícil imaginar a vida de um estudante careca, duro, morando numa “república”, dividindo um velho e sujo casarão com mais nove colegas em igual situação. A alimentação era severamente controlada na casa e eu nunca tinha dinheiro suficiente para um lanche ou pelo menos um refrigerante. Quando reunia ânimo, eu saía vagando, subnutrido, pelas ruas da cidade.
    Lembro que em São Paulo, momentos antes de partir para o interior como costumeiramente fazia nas noites de domingo, discuti com minha mãe. Acabei ficando sem o jantar antes da viagem e sem a minha minguada mesada. A solução era pedir carona na estrada. Os tempos eram outros.
    Era ainda de manhã em Piracicaba quando fomos dispensados da primeira aula. O estômago continuava reclamando e eu teria que me virar, pois por falta de pagamento eu estava na lista negra da república. Consequentemente... excluído da ração, desculpe, da alimentação.
    Andando pelas imediações vislumbrei uma agitação de carpinteiros, garçons e faxineiras no interior de um restaurante que seria inaugurado naquela noite. Fui lá pra dentro com a maior cara de pau e tive um lampejo de idéia vendo um reluzente piano de cauda sobre um tablado, novinho em folha.
    O cara que parecia ser o chefão da casa (e que nem olhou pra mim), disparava ordens para que tudo ficasse pronto no horário.
     Esperei uma folguinha do cidadão e arrisquei:
    - Bom dia!
    - Bom dia! , o cara respondeu ainda sem olhar.
     Eu continuei:
     - Bonito local. O que vai ser?
    - Restaurante e casa de shows!
   O cara virou-se pra mim e deu pra perceber seu ar de desaprovação frente à um careca mal vestido e com estômago mais vazio que cérebro de profissional de futebol.
    Eu emendei:
    -Tô na faculdade. Mas também sei tocar piano.
    E o cara:
    - Parabéns.
   E gritou para um zé mané ali perto:
    - Já falei que não é aí que quero o balcão. Empurre mais pra lá!
    E me deixou sozinho sem dizer pra onde ia.
    Fui atrás e insisti:
    - Posso fazer uma proposta?
    O cara nem respondeu.
    - Se o senhor me der agora um baurú e uma coca eu toco piano de graça hoje à noite na inauguração.
    Ele me olhou denotando pena e gritou em direção à cozinha:
    - Ô Lourdes! Traga um pf (prato feito, o feijão com arroz, salada e bife dos empregados que trabalham na casa) pro rapazinho aqui!
    Daí olhou bem na minha cara e falou baixinho.
    - Abrir o piano? Tocar? Ah ah ah ah...Não pense em música. Coma o que quiser. Já passei fome também uma vez. Sei como é. Venha quando quiser aqui na hora do almoço que tem um pf grátis pra você. Mas... só uma coisa. Não ponha a mão no piano. É novo e é só pra quem sabe tocar. Tudo bem?
    A simples menção de que eu iria comer alguma coisa me fêz responder “tudo bem” rapidinho.
    Êta pf gostoso e restaurador de energias.
    No dia seguinte, obviamente, eu já estava lá atrás de mais uma refeição. O chefão me viu e ordenou mais um pf pra mim.
    Haviam vários fregueses almoçando e me senti na obrigação de recompensar a gentileza:
    - Oi, sr. Fulano (não me lembro o nome do proprietário bom samaritano, mas nada confiante em meus alegados dotes musicais), abra o piano que vou tocar pro pessoal que está almoçando.
    - Nada disso! Esse piano é uma relíquia de família. Só mesmo para quem sabe tocar.
    - Ok!, encerrei a questão.
    Resumindo...passei vários dias almoçando gratuitamente naquele venerado restaurante. Nada de piano, claro.
    Passam-se os anos. Meados da década de 70. Eu já como o dr. Maurício Camargo Brito em São Paulo. Sou convidado para um jantar de confraternização da turma da Odontologia em Piracicaba, da qual participei no ano inicial. Um evento no restaurante mais requintado da cidade, com piano bar e tudo o mais. Inclusive um dos colegas da minha turma no jantar era o dr. Antonio Carlos de Campos, nas horas vagas maestro/diretor do Conservatório Musical de Tatuí e um dos maiores pianistas clássicos e de jazz que já ouvi tocar.
    No meio do festim eis que surge o proprietário da casa...e era ninguém menos que o sr. Fulano. O mesmo sr. Fulano, amigo e benfeitor do meu aparelho digestivo há quase uma década. Ele logicamente não me reconheceu e nem lembraria dos tantos pf’s passados. Me levantei e pedi um brinde para o benemérito cidadão, defensor dos fracos e oprimidos (eu, naqueles dias magros de faculdade). Como gosto de falar, relembrei pra todos ali, tintim por tintim, o episódio dos pfs. E ainda brinquei sobre a não permissão para tocar piano.
     Ele ficou todo lisonjeado e, após me agradecer, finalizou:
     - Obrigado por tudo. Só que com relação ao piano, a situação é a mesma. Peço que ninguém aqui queira tocar piano. É um instrumento valioso, o pianista contratado é profissional, e os clientes o adoram. Bom apetite.



  

domingo, 8 de janeiro de 2012

A MINHA RELIGIÃO

RESPEITO QUALQUER CRENÇA DO SER HUMANO, MAS GOSTARIA DE EXPRESSAR A MINHA OPINIÃO QUE É BASEADA NA DE BARUCH SPINOZA FILÓSOFO QUE VIVEU NO SÉCULO XVII.
DEUS FALANDO:

Pare de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pare de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pare de me culpar da tua vida miserável. Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pare de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Pare de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Pare de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pare de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pare de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam. Tu te sentes grato?
Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pare de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.







domingo, 1 de janeiro de 2012

O Episódio do Cantor Japonês

    Essa aconteceu no final dos anos 80. Era a época de ouro do quinteto Blues Band e o nosso guitarrista Giba foi convidado a montar um grupo de 8 músicos para acompanhar a tournée brasileira de um afamado cantor do Japão. O nome do astro era Akira e viria sob uma tremenda publicidade da mídia dirigida à colônia nipônica do Brasil, notadamente São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná.

    Mesmo sabendo que o repertório seria basicamente pop e japonês, e sem levar em conta se líamos partituras musicais o suficiente para um compromisso dessa envergadura, o Giba na seleção dos músicos naturalmente deu preferência a nossa panelinha da Blues Band - Jacaré e Gersão nos saxofones, Xuxú na batera e eu no teclado para fazer as cordas, um elenco experimentado no jazz, blues e rock mas com habilidade duvidosa para sair acompanhando um cantor do Japão e seus folclores.

    O contrato era bem vantajoso financeiramente e aceitamos a missão de imediato. Para não correr riscos, o Giba chamou o ótimo Vardé, um experiente contrabaixista que toca tranquilamente tanto de ouvido como por música. Dois outros intrumentistas de sopro completavam o time.

    Conforme a responsabilidade e organização dos japoneses, as partituras musicais chegaram via fax 30 dias antes da data da estréia da tournée, todas elaboradas por um rigoroso maestro, o braço-direito do cantor Akira que inclusive viria junto para reger e atuar no piano acústico. As partes foram distribuídas entre nós músicos com a obrigação de cada um estudar a sua e vir pronto para o ensaio já com o cantor. E teríamos um mês inteiro para isso. Lembro-me o quanto me assombrei ao abrir as partituras das cordas do teclado (violino, viola, violoncelo, baixo) e dar de cara com uma complexidade sem igual. As pautas e os arranjos eram desafiadores até para concertistas veteranos do Teatro Municipal. Embora o repertório incluísse os conhecidos temas “My Way”, “Beguin the Beguine” e alguns pop de FM, a maioria era constituída de sucessos japoneses que eu dificilmente conseguiria tocar, como dizem os músicos, “de prima”. Mas pensei comigo mesmo:

    -Tudo bem. Confio nos colegas. Eles saem tocando e eu vou atrás.

    Apenas não imaginei no momento que meus colegas estivessem pensando a mesma coisa.

    Um mês depois. Tarde agradável no então Dormente Bar na zona leste de São Paulo, hoje o badalado Stones da av. Anhaia Melo, palco do primeiro e único ensaio com o cantor Akira. Todos nós posicionados com os respectivos instrumentos à espera da chegada da comitiva japonesa. O ensaio era definitivo, pois o primeiro espetáculo da tournée seria já no dia seguinte. Uma reluzente limousine negra parou em frente ao bar e desceram quatro seguranças de óculos escuros para abrir as portas do carro e desembarcar o cantor com seu maestro. A cena me lembrou a chegada de Elvis Presley. Vieram também dois intérpretes, um para traduzir do idioma japonês para o inglês e o outro do inglês para nossa língua portuguêsa. Seria a forma de eles se comunicarem conosco. Acho que não conseguiram um só que traduzisse direto do japonês para o português. O cantor bonitão, nos seus 30 e poucos anos, mostrou-se muito amável e simpático, cumprimentando-nos um a um e imediatamente nos presenteando com caríssimas máquinas calculadoras japonesas, a novidade da época e de valor quase igual ao nosso alto cachê.

    O maestro, por sua vez um japa de meia-idade com cara de poucos amigos, já entrou abrindo a boca:

    私たちは、 1 1 つ知っていることは、一部でわありませんでした多くの時間、私は希望を持っています。

    Todos nós sem entender nada.

    O primeiro intérprete se manifestou:

   -  He said that we have not much time and I hope that each one knows its part.

    A maioria continuou sem entender até que o segundo intérprete finalizou:

    - O maestro disse que não temos muito tempo e espera que cada um saiba a sua parte.

    O maestro japonês prosseguiu:

     私は私の手には、 tecladista ここにしたい。 近くにあります。   

    O primeiro intérprete dirigiu-se a mim:     

-         He wants you there in his hand. Nearby!

     Eu entendi o seu inglês limpo. E pensei:

    - Xiii...tô f...!

    E o segundo intérprete fêz sua parte, completando minha sentença de morte:

    - O maestro quer o tecladista do lado dele. Bem perto!

    O pessoal riu baixinho e lá fui eu com meu valente Yamaha DX7 pra ficar ao lado do carrancudo japonês.

    Depois de tudo acomodado o maestro sugeriu ao astro Akira para que ele se posicionase a uns metros lá fora para se calcular o tempo que ele levaria para vir ao palco compatível com a introdução que a banda estaria tocando. Em seguida falou:

    私は、 4 回もカウントされ、バンドの紹介、スコア、明の時間ステージに到着したら」を参照してください。      

     - The conductor is going to tell the four times and the band of the introduction, as the score, and see if the right time of Akira arrive on stage.

     - O maestro vai contar os quatro tempos e a banda dá a introdução, conforme a partitura. É para ver se dá tempo do Akira chegar ao palco.

     すべての準備ができただろうか ?  

    - OK?

    - Tá todo mundo pronto?

    Daí então o japa maestro fêz um movimento com os braços e:

    1 つ、 2 ...1 2 3 4...

   Silêncio Total (?!??!).

   O japa olhou para a cara do Xuxú, sentado na bateria e escondido atrás do bigode:

   入力した理由でありませんでしたか ? それはあなた自身の党で書かれています !

    O intérprete foi rápido:

    - Why not played? It is written in your own score!

    O Xuxú continuou atrás do bigode e o segundo intérprete falou pra ele:

    - Por que você não tocou? Ele disse que tá tudo aí na sua partitura!

   -Ah! Era eu que tinha que entrar? - o Xuxú perguntou.

   E o glorioso cantor lá fora. Esperando.

   O maestro falou meio impaciente:

   私たちはもう一度行っています。

  E contou:

  1 つ、 2 ...1 2 3 4...

  Nada! Só aquele silêncio comprometedor.

  E o glorioso cantor lá fora. Esperando.

  O maestro perdeu a calma com o Xuxú:

  あなたが知っているか、または、スコアが何か知っていませんか ? あなたは、音楽家ですか ? あなたが音楽を読む方法を知っているか。

  - He said that do you know or not what is the score. You are musician? Do you read music?- o intérprete tentou ser mais brando, embora o Xuxú não tenha entendido também.

   Daí veio o cara com o nosso idioma:

   - O maestro está perguntando se você sabe ou não sabe o que está na partitura? Ele quer saber se você é músico? Se você sabe ler música?

   O Xuxú respondeu timidamente. Só seu bigode mexia em meio ao seus “s” sibilantes:

    - Pô meu. Estou acostumado a tirar as músicas de ouvido. Se tiver uma fita aí (naquele tempo ainda eram fitas) é só colocar pra escutar que tiro a batera na hora.

   Ninguém ali, a não ser os japoneses, conseguiu segurar as risadas.

   O maestro e o intérprete inglês:

   - ?!???!!

   E o glorioso cantor lá fora. Esperando.

   O maestro bateu com força sua mão no piano e disparou para a produção:

  私は音楽を読む方法を知っている人は、ドラムのプロでありませんでした。ここで時間を無駄にした緊急を提供しています。

  O primeiro intérprete ficou meio confuso e tentou em vão amaciar:

  -You provide a professional drum who know how to read music, rush. He said that he did not come here to lose time.

  Então veio o veredicto de compreensão geral:

  - Ele quer urgente que tragam um baterista profissional que saiba ler música. Diz que não veio até aqui para perder tempo!

  E o glorioso cantor lá fora. Esperando.

  Para encurtarmos a estória. Trouxeram o cantor pra dentro e horas depois chegaram com o Lello, baterista da Banda Mantiqueira, que tão logo abriu a partitura comentou a dificuldade que qualquer músico encontraria. Eram 16 longos compassos na introdução da banda, só de bateria. Imaginem para o blueseiro Xuxú, acostumado a tocar de improviso, tocar no clima do momento, sem nunca ter visto aquele amontoado de notas e símbolos nas pautas, que mais pareciam desenhos de cachos de uva.

   Colocaram o glorioso cantor no seu lugar lá fora mais uma vez. O maestro fez a contagem e o novo baterista rufou os 16 esperados compassos. Mas no momento em que a banda entrou tocando (por sorte minha não havia minha participação de teclado na partitura ainda) o que se ouviu foi um amontoado de notas desafinadas dos metais e tempos errados nos demais instrumentos. Notadamente dos dois instrumentistas de sopro forateiros. A maioria não lia música a contento e o maestro se desesperou, embora tenha se conscientizado de que não havia muito a se fazer. Quem sabe com um pouco de tempo e esforço chegaríamos a um resultado satisfatório.

    E assim foi feito. O ensaio prosseguiu com calma e perseverança e a tournée brasileira do glorioso Akira foi um sucesso.

   Sempre costumamos relembrar o episódio com muitas risadas. Desde quando o próprio Xuxú ainda não havia ido tocar com Elvis no céu. Ele ria conosco porque sabia que apenas pagou o pato na estória. Sua falta de sorte foi que tudo iniciava com a bateria. Eu confesso sem falta modéstia que o que me salvou foi o bom senso em não querer inventar muito, conhecer a fundo os temas standards e um pouco de bom gosto em encaixar algumas idéias próprias sobre os intricados arranjos do maestro japa. E olhe que toquei sob sua marcação cerrada.

    Mas como já disse, no final tudo deu certo. As platéias vibraram e nós abocanhamos aquele cachê irrecusável.